quinta-feira, 20 de março de 2008

Da carência de mudança ao mundo carente.

Já se passou muito tempo depois da última mensagem, e o tempo é cruel na vida de uma mulher. Amores se perdem, oportunidades se vão, mas sempre tem janelas e portas que se abrem dizendo: vem, vem recomeçar, vem experimentar esse doce amargo que é viver. Depois do Cláudio, no amor, me atirei em ilusões que só me fizeram sofrer. Mas de tudo aprendi que nada tem solução, apenas retorno a si. Mas isso conto em outra oportunidade. O que me chama a atenção é minha situação na empresa. O asqueroso do Sr. Cláudio continua no mesmo lugar e cada vez pior, cada vez se deleitando com seu pequeno, mas eficiente poder. Quase todos os dias em que coloco a cabeça no travesseiro, tenho vontade de morrer dormindo. Simplesmente não acordar para trabalhar. Mas o despertador sempre me lembra o dever de enfrentar a vida. Esta vida que em grande parte não escolhi, apenas nasci. Dizem que a vida é tirana, sempre discordei dessa idéia e pensava que nós é que somos tiranos de nossa própria vida, até chegar o dia que a realidade me provou o contrário. Foi uma semana depois de ter planejado o tombo do Sr. Cláudio. Cheguei firme dentro do meu castelo de cartas e mostrei o meu melhor, usei toda minha delicadeza ao colocar a última carta na pilha que se estendia pelos meus planos, mas não contava com o suborno do desejo e tudo caiu num piscar de olhos que nem percebi que na mesa havia mais coisas que a minha vã racionalidade pensou. Havia o corporativismo, o rabo preso e tudo mais que a intimidade não deixou transparecer aos meus olhos ingênuos e sedentos de mudança. Cheguei toda imponente e mostrei tudo para o Dr. Carlos, todos os erros e falcatruas do Sr. Cláudio. E foi nesse momento em que o Dr. Carlos mostrou sua face oculta. Olhou bem nos meus olhos e perguntou: “O que te faz supor que não sei dessas coisas?”. Na hora o espanto não me deixou responder, gaguejei e quando tentei falar ele me interrompeu imediatamente e com pesar disse: “Não diga nada, chame o Sr. Cláudio, volte para sua sala e faça seu serviço, depois conversaremos”. Chamei o Sr. Cláudio e no caminho até minha sala tudo ficou claro como o sol que nasce em uma manhã de inverno. “Que burra, que estúpida, que ingênua. É Vivian nessa você se deu mal, muito mal”. Fiquei esperando concentrada em minha ansiedade por uns quinze minutos, foi quando o Sr. Cláudio apareceu balançando a cabeça com reprovação e com um olhar de pena. Aquele sem dúvida foi o pior momento, porque todo meu plano era atingi-lo e todos os tiros saíram pela culatra, e a culatra foram aqueles olhos. Fui para a sala do Dr. Carlos, pediu para eu me sentasse, respirou fundo e começou a dissertar uma longa introdução sobre os tempos difíceis em que estamos vivendo, sobre a política econômica ou algo parecido. Não prestei muita atenção, não por maldade, mas porque simplesmente não conseguiu esquecer o olhar do Sr. Cláudio. Fiquei imaginando o que ele estava falando para os colegas, o tudo que poderia ter dito para o Dr. Carlos. Estava ouvindo o homem que dias atrás pensava estar apaixonada, mas só conseguia olhar o movimento do pequeno relógio de ponteiros sobre a mesa e pensar no deboche do Sr. Cláudio. Que maldição, pensei. Por alguns instantes veio uma vontade enorme de sair correndo pela porta, dar um tapa na cara do Sr. Cláudio e me libertar de todas aquelas amarras invisíveis que me prendiam naquela cadeira, mas não consegui nem mexer meus braços que estavam sobre minhas pernas. O Dr. Carlos continuava com seu discurso, parecia que agora falava sobre os altos impostos e a dificuldade de concorrer com os grandes empresários da área. Concordava com tudo, sem compreender muito sua linha de raciocínio. Lembro-me que ao ouvir sobre a concorrência pensei na própria concorrência dentro da empresa. Que mundo e este que vivemos? Como conseguir estabelecer qualquer tipo de relação sem ficar com o pé atrás? Percebi que embora criticando toda aquela situação, também fazia parte dela de forma visceral, pois estava competindo com o próprio Sr. Cláudio. Senti repugnância de mim mesma. Tentei me agarrar em minhas razões, mas elas escorregavam em minhas auto-condenações. Não conseguia se esquivar de meus próprios pensamentos. O Dr. Carlos ora se levantava ora andava por detrás de sua mesa ora olhava pra mim para ver se estava prestando atenção. Esses momentos eram como socos em meu útero. Depois de alguns minutos ele finalmente mudou o tom de sua voz, virou-se pra mim e disse: “Srta. Vivian, você é uma boa funcionária, executa tudo com eficiência e precisão e você é quem decide: você é esperta, e como sabe, tudo que me falou a minutos atrás pode nos levar a um escândalo e a empresa não resistiria e chegaria a falência. O que prefere: destruir tudo e todos que te acolheram e deram ensinamentos, experiências e oportunidades, ou continuar colaborando com nossa empresa, trabalhando para o seu bom desempenho e qualidade?”. Eu não acreditava naquilo, não conseguia acreditar que todas aquelas palavras saíram da boca do Dr. Carlos. Minha barriga gelou, minhas mãos estremeceram, minhas pernas enfraqueceram. E completou: “É claro que você não sairá de mãos abanando, conversei com o Sr. Cláudio e decidimos oferecer um aumento de salário para você de 20%. O que me diz?”. Como ele conseguia ser tão frio falando daquela maneira. Toda a coragem que vi dias atrás em meus olhos refletida em meu espelho se dissipou. E tudo que consegui foi concordar. E hoje estou aqui, deitada em minha cama lembrando que amanhã o relógio irá despertar, que terei que levantar, olhar novamente no mesmo espelho e nos meus olhos e sentar na mesma cadeira.